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Adilson Cardoso
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Coluna do Adilson Cardoso – A Fabrica dos Fundos

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Coluna do Adilson Cardoso – A Fabrica dos Fundos

Maria Odete saia ás seis e trinta da manhã para uma cansativa jornada de doze horas ou mais, pois constantemente se obrigava a fazer horas extras a mando do chefe. Trabalhava numa fabrica de doces que além de confeccionar, embalar e contar tinha também a  reutilização daqueles devolvidos fora da validade.

— Deus me defenda de comer uma porcaria desta, olha  só, tem até asa de barata dentro” – Comentavam entre si as responsáveis pelos Tachos de reaproveitados.

O ônibus que levava Odete ava a dois quarteirões da casa, dentro dele ela encarava  meia hora de torturas  nas segundas e quartas feiras, dias em que  comerciantes dos mercadinhos de frutas, verduras e hortaliças das redondezas dirigiam-se a central de abastecimentos para as devidas reposições. Madrugavam fazendo farras nos pontos até que chegasse a hora,  no silêncio da manhã o eco das cantorias ia longe, lembrava os  carros de som em época de carnaval. Pareciam ensaiados  para seguir um mesmo padrão de desordem, gritavam,  não pediam licença, ocupavam    lugares preferenciais, batiam palmas  e até fumavam, um fazia parede para o outro. Motorista e  cobrador mantinham-se na imparcialidade fingindo não notar as insubordinações, mas o real motivo daquelas  falsas displicências, era obvio que todos sabiam que eram os  generosos agrados que recebiam em casa.

— Porcos excomungados, de que adianta  eu sozinha ficar  enchendo o saco se todo mundo fingi que não vê, mas  um dia a hora deles chega, ah se chega! – Repetia Odete falando sozinha ao descer do coletivo.

Tila era a colega mais próxima, trabalhavam juntas na sessão de embalagem, era branquinha de cabelos lisos e ralos, tímida, mas incentivava Odete nos seus ímpetos reivindicativos. Todas as outras ali carregavam uma cruz, moravam distantes e semelhantemente eram casadas com homens  subempregados e desempregados, alguns não possuíam sequer uma bicicleta para procurar lotes para limpar ou construções que necessitassem  serventes de pedreiros. A fabrica de doces funcionava clandestinamente dentro dos muros da casa do proprietário, lá no fundo sem despertar a menor suspeita, isso após ser impedida  de exercer suas atividades  por falta de condições sanitárias em sete pontos diferentes. Comprou  o nome  da marca “alegria” com os documentos de uma filha e ou a vender   para um sobrinho avarento e proprietário  de um supermercado, de lá saiam  as entregas maiores. A favor daquela trapaça havia alguns seres venais dentro da Vigilância Sanitária que aceitavam propinas para fechar os olhos. Mesmo conhecendo toda a verdade, Maria Odete com seu ímpeto revolucionário  preferia o silêncio conveniente, denunciar seria  ficar sem emprego, voltar as necessidades que doía nas lembranças, o jeito era continuar naquela sina até o dia em que Deus quisesse. Assim as outras iam com ela,

— Se Odete não diz nada, eu é que não vou querer bater com a língua nos dentes”- Falava Minervina uma das mais velhas da sessão de contabilidade. Quando o velho decidiu que naquele mês não poderia as horas extras conforme combinaram.

Numa daquelas entediantes noites de quartas-feiras, quatro das funcionárias usavam o banheiro de paredes velhas e piso de cimento expondo rachaduras, o espaço de pouco mais de quatro metros de largura e dois de  comprimento ficava bem nos fundos da fabrica que já era nos fundos da residência. A cobertura de  um improviso caótico com telhas de amianto e fios elétricos se emaranhando abaixo, havia buracos por todos os lados,  algumas funcionarias  usavam o vaso observando o céu. Neste dia foi Tila quem tivera  a ingrata surpresa de confrontar-se com um olho ansioso em direção a elas. O grito estérico veio junto a corrida desesperada, assim também vieram as outras que perceberam o voyeur escapar feito gato, algumas saíram de toalhas outras com as partes de baixo e as mãos tapando em cima, as mais desesperadas queriam apenas fugir mesmo se expondo como viera ao mundo. Odete percebendo aquele desvario juntou-se as outras que aguardavam a desocupação dos banheiros saindo em socorro. Com varas que tocavam os ratos que eavam pelos cantos insalubres da fabrica, cutucaram os buracos em todas as direções, infelizmente os olhos do maníaco não estavam mais lá, infelizmente se iniciava ali  uma luta inglória, já que suas palavras não teriam forças para ser instrumentos de credito ao velho carrasco, dizer ou não o efeito seria o mesmo. As dezenove e trinta chegava as “escravas” do noturno,  bolsas simples as costa, olhos pequenos e vozes miúdas, cada uma com a sua cruz, cada cruz com seu peso. O chefe com seus  óculos de míope e uma cabeleira lembrando o poeta Ferreira Gular achou estranho o movimento e quis saber o porquê de o outro turno permanecer no interior da fabrica.

— Precisamos conversar senhor Marvin! – Disse Odete falando pelas outras.

— E eu posso saber do que se trata? – Indagou o velho com rispidez.

— Deve ser coisa do trabalho senhor Marvin! – Ponderou Carmélia, uma Negrinha do noturno que deixara há pouco tempo de se  prostituir  para amasiar-se com um coveiro do cemitério.

— E quem te chamou na conversa sua tifuta! – Esbravejou o velho consertando os óculos.

— O senhor que me respeite, seu brocha! – Vociferou Carmélia, arregalando os olhos.

— Quem respeita preto é o Direitos Humanos, você cala sua boca ou a partir de hoje vai ter que voltar  abrir as pernas para não ar fome! – Disse o velho caminhando em direção as mulheres.

— O senhor devia se envergonhar seu desgraçado desumano! – Falou Odete a poucos os dele.

— Posso ter sido prostituta, mas nunca matei ninguém, nunca fiz nada para prejudicar ninguém! E você? Já parou para pensar quantas crianças já morreram com seus doces “reciclados” cheios de urinas de ratos, asas de baratas e outras substâncias vindas da sujeira? E quantos fiscais você paga para não denunciarem mais esta possilga que você montou para lavar enganar o povo inocente! Responda filho da puta! Responda que eu não vou ficar mais um minuto sequer aqui, mas daqui a pouco a policia vai lhe fazer uma visita! – Esbravejou Carmélia sob os olhos fixos do velho.

Ele ou a língua nos lábios, retirou e colocou novamente os óculos, penteou os cabelos com as mãos como se fosse o Poeta Ferreira Gular e retirou um controle remoto do bolso. Naquele momento o silêncio cortante paralisou os olhos daquelas mulheres, parecia estar no meio do deserto. Apontando para o portão que dividia os fundos da casa e a fábrica, trancou com o dedo fundo na tecla do controle. Do outro bolso retirou uma chave e lentamente foi destrancando um pequeno portão na lateral do muro, local onde ficava  “Tigre” Um imenso cão que algumas funcionárias nunca tiveram coragem de chegar perto. Porém a grande fera que despontava daquele canto de pouca luz, fora filhote tratado nos braços da Dona Minervina, aquela senhora que já ara dos sessenta e continuava ali sob os pés do velho carrasco. Ela que estava com na fábrica desde a sua fundação no primeiro ponto, era a voz que acarinhava o Tigre quando o velho lhe cortava a ração, se latisse um gato sobre o telhado era punido, se fizesse xixi fora do lugar determinado também tinha punição, as vezes ficava sem água, sua cobertura esquentava outras vezes a forte chuva invadia. Minervina sabia de tudo, sempre tinha oportunidades longe do chefe, conversava com ele, lhe acalentava, afagava-lhe a cabeça arredondada e ele latia dizendo obrigado. Todas as funcionárias fizeram o sinal da cruz, as que havia se levantado contra ele temiam serem as primeiras trucidadas pelo Tigre. Carmélia, pediu pelo amor de Deus e implorou que o homem não soltasse o cachorro, pediu desculpas e prometeu ir embora esquecendo as delações ameaçadas. Maria Odete abraçou-se a Tila sucessivamente as outras foram se misturando naquele ritual de despedida. Nenhum grito seria possível ouvir do lado de fora, as paredes muito bem protegidas para não ar os ruídos das maquinas testemunhariam um atroz fim de expediente.  O portão se abriu e Tigre ou feito vento quase arrastando o velho, seus olhos tinham um brilho diferente e sua língua imensa estava do lado de fora, muitas chamavam pelo nome dos filhos, outras falavam em nome de Deus, Santos diversos esperando um milagre naquele ultimo instante. Tigre saltou sobre Minervina, por pouco ela não, mas ele rolou aos seus pés, lambeu suas mãos, ficou em duas patas e deitou a cabeça para ser carinhado. O velho possesso ordenou bravamente que ele mordesse as mulheres,  quando viu que não seria atendido pegou a mesma vara que punia as travessuras do Tigre e apontou-lhe visivelmente desiquilibrado. O cão abandonando semblante harmônico que trazia na face, virou-se com um rosnado aterrorizante, expa os caninos esperou que a vara lhe fosse direcionada mais uma vez, o velho carrasco com seu costume de castigo, não se importou com aquela mudança e gritou,

— Me obedeça miserável!

Tigre pareceu estar alado, voou direto no pescoço dele tirando todas as chances de reação, quanto mais ele se mexia, a força do cão se ampliava. As funcionárias congelaram-se naquele canto, umas abraçadas as outras como manequins em vitrines, nem sequer piscavam. Tigre mordia com força, sacudia, cuspia pedaços, o sangue escorria. Minervina era a única não se encontrava o estado de torpor, porém não tinha o que fazer, não sabia o que dizer, o cão vingava para ela e para as outras, chorava baixinho, não era pena daquele carrasco, nem sabia porque chorava.  O velho relógio que ficava no pilar central da fabrica mostrava com seus ponteiros em forma de cabos de garfos que já se ava da meia noite. Hora de ar aos tabuleiros os dois tachos de doces que ficaram prontos. A fabrica cheirava desinfetante, o aroma de Jasmim estava forte, também não fora dosado como de costume, litros e litros derramaram sob assovios que acompanhavam as musicas que tocava na radio. Cinco horas da manhã, aqueles dois tachos de doces especiais estavam cortados, a embalagem daqueles ia diferente, também era especial para o motorista e o cobrador daquele ônibus que abrigava as algazarras do feirantes e uma quantidade soberana para alguns fiscais da vigilância sanitária.

 

Adilson Cardoso
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