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Adilson Cardoso
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Coluna do Adilson Cardoso – O ultimo dia de Amélia

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Coluna do Adilson Cardoso – O ultimo dia de Amélia

Herval, nome herdado do pai que herdara do seu pai. Mas poderia chamá-lo de notívago ou boêmio, assim como chamara seu pai, pois herdara o amor pelas noitadas, bebidas, cigarros e mulheres, muitas mulheres. Ás vezes ficava por dias seguidos vagando de bar em bar, revezando nos leitos das putas, colecionando grandes e pequenos lábios em anedotas contadas de pés em balcões. Amélia não era alcunha de Simone, que não se importava com o luxo, nem se lembrava do que era vaidade, herdou a sina de sofrer da mãe que herdara da mãe. De frente Simone não era Amélia, respeitada e bem quista onde ava, mas à surdina os grilos cantavam, das paredes surgiam olhos grandes para acompanhá-la e tripudiar sobre seu cadáver amargurado, “Coitada da Amélia”. Mas Simone não baixava a cabeça e entrava no supermercado como se fosse esposa do prefeito;

— Quero pagar a vista minhas compras!

— Está tudo bem com a senhora?

— Sim, obrigada! Sempre estive bem!

Ao atravessar a rua saiam todos a observá-la, o caixa errava no troco e espiava curioso, o empacotador se espremia com a faxineira e o gerente fingindo impor à ética, exigia a volta ás atividades, mas de braços cruzados perseguia Simone.

— Não dou dois quarteirões para começar o choro! Coitada da Amélia. – Apostava confiante que ela se perderia na desilusão que carregava.

Herval entrava em casa repetindo as cantigas assoviadas nos cabarés, tinha batom no colarinho e cheiro de álcool na boca, a mulher mesmo ferida lhe entregava a toalha e adentrava a cozinha, ava o café sem doce e entregava na cama. Socorria a queixa de um filho, amparava a filha que menstruava pela primeira vez, ralhava o cão que latia o gato. Pelo resto do dia trabalhava incansavelmente longe de casa, buscava o sustendo enquanto Herval dormia. O ônibus lotado no final da tarde era mais uma via crúcis, os pensamentos voavam no embalo do coletivo, Mas enquanto se firmava no ferro de cima era roçada por baixo, faltava respeito daqueles homens e energia para Simone, estava desiludida por vezes nem queria ter energia, queria sentir-se mulher, ainda que de forma vilipendiosa, invasiva, imunda. Ela queria ao menos saber se estava vivo, sentir que o sangue ainda lhe corria na libido, experimentar ser puta, como aquela que lhe tomava seu macho. Na chegada o marido já estava de pé, violão na mão, sorria feito criança autorizada pelos pais de ir ao parque com o tio, cheirava perfume caro e usava sapato novo. Simone não se esquivava dos beijos, mesmo imaginando as coisas que ali tocaram, por dentro doía um amargo sem fim nauseava o âmago, enquanto o homem se levantava seu cheiro girava em volta, perfume caro, talvez custasse mais que duas contas de água e luz prestes a cortar, ou da feira que ele não sabia o valor. Os olhos de uma Amélia nunca arderam tanto, não se lembrava de quando se afogaram daquela maneira, mas os olhos de Simone negavam ser de Amélia encarando o vulto que batia a porta exalando o cheiro, daquela dor sem remédio podia ouvir apenas um repique de latas tocando em sua cabeça, eclodindo suas larvas insanas. O que aconteceu depois não tinha a menor importância, se o fogo consumiu ou apagou-se na mangueira do gás, não fazia diferença, a única lembrança que levaria era de que nunca se esqueceria o que sofreu. Simone media uma linha cosida entre a masmorra e a liberdade almejada, as placas da estrada indicavam que deveria seguir, mas a linha do horizonte ainda estava atrás das montanhas. O novo céu descortinava com poesia e seu peito liberto declamava sem pressa, em um profundo suspiro que jamais sonhara.

Por Adilson Cardoso

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