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Adilson Cardoso
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Coluna do Adilson Cardoso – O Caso Paula

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Coluna do Adilson Cardoso – O Caso  Paula

Paula desceu do ônibus em um ponto antes do planejado. De óculos escuros e  bolsa preta de couro  mirou em todas as direções,  atendeu ao celular que tocava  insistente, apreensiva  olhou para trás voltando o telefone a bolsa, acendeu um cigarro e  andou  rápido. Era dez de abril com  sol forte e  sombras inquietas se mexendo no  solo, varias pessoas com vestimentas coloridas e maquiagens fortes faziam algazarras, empunhavam  uma faixa onde se lia; “Festival de Teatro”. Paula virou a esquina em seu desassossego, entrava novamente no mar de pessoas feito formigas que iam  e  voltavam, uma dupla de mulheres se destacava no meio das outras. Se  falavam próximas, riam e apontavam para alguns homens, mudavam os semblantes, silenciavam por alguns segundos, gesticulavam para uma nova onda de risos, Paula remoia imagens do ado, pessoas infiltradas em todos os lugares,  voltou o aparelho celular aos ouvidos e desacelerou os os, aproximou-se das mulheres e deixou em modo de gravação. Um senhor esguio de faces murchas como se não tivesse dentes andava de um  lado a outro com uma  prancheta nas mãos, ofereceria jogos prontos e palpites para o “Bicho” que correria mais tarde. Uma velha se arrastava de bengala, tinha  uma cesta de doces  em um dos braços oferecendo com uma voz rouca quase inaudível, as vezes  apelava para os sentimentos dos transeuntes, “Compra gente, sou diabética e tenho problemas de coração, sou viúva e não tenho aposentadoria!” ninguém comprava, mas ela não se rendia. O sol estava ainda mais forte, as sombras das árvores e prédios iam sendo ocupadas, no colo da mãe  a garotinha de vestido amarelo e tiara de flores apontava sedenta  para  o vendedor de picolés, mas a mulher namorava  o vestido da vitrine e não percebia, até que  os pedidos fleumáticos  transformaram-se em berros. Nas ruas a  confusão era intensa, cada um peregrinava  com seu destino na mente, fraquezas  e forças roncando como os motores do globo da morte. “Jornais anunciavam as altas dos preços, gasolina sobe, gás de cozinha acompanha, salário mínimo não sustenta mais a família, arroz, feijão e macarrão é o que o trabalhador ainda pode comer, no mês que tem farmácia corta-se o macarrão, quem é rico não sabe  o que significa nada disso, quem é rico come o que bem quer, viaja para onde sonhar e ainda monta sobre o pobre para diminuir a miséria  que ele  ganha como pagamento, por acaso existe pobre dono de supermercado? Claro que não! Se fosse pobre não seria dono. Já viram podre dono de empresa? Claro que não! Se fosse pobre não era dono, aliás quero fazer uma correção, o pobre vira dono de empresa sim, mas quando é laranja de rico, como um coitado que catava recicláveis para se alimentar com a família, certo dia a Federal lhe bateu a porta dizendo que ele estava preso por sonegação fiscal de Fabrica de Parafusos!” Um  gordo de óculos quadrado sobre uma cadeira de rodas, era assessorado por  pessoas que distribuíam panfletos enquanto ele falava, em sua volta outros indivíduos se juntavam e aplaudiam. De repente as atenções se voltaram para a rua, um carro freou bruscamente em frente ao sinal vermelho, por pouco não atravessa e bate na lateral do ônibus. Curiosos pararam em busca de motivos  para alimentar as redes sociais, se nada realmente aconteceu alguns  abutres roteirizavam  seus filmes de horror, um magrela de macacão azul puxou conversa  com um sujeito  forte,  barbudo e  cara de  Bud Spencer “Se o freio não obedecesse à força daquele pé,  o Gol romperia o sinal vermelho se chocando com  o ônibus, o  caminhão baú aqui atrás  que parece  carregado de mudanças…” Enquanto  virou-se para mostrar o caminhão o sinal já estava aberto, o sósia do ator Italiano havia desaparecido,  outras pessoas aguardavam  para atravessar, aproveitando-se  de um cego que aguardava ajuda voltou a comentar, “Essa cidade está um perigo, agora a pouco um carro ia furando o sinal vermelho, se asse bateria em um ônibus lotado!” “Deus me livre, obrigado pela ajuda!” Disse o cego livrando-se do magrela.  Paula seguiu  nervosa, decepcionada  com o assunto revelado pelas mulheres, falavam de frivolidades, em especial a  pornografia, tamanhos de pênis e posições. Perdera  tempo valioso,  precisava  correr contra o relógio. Ouvia sons perturbadores e as vezes vultos de pessoas já mortas, estava ofegante lembrava-se da promessa de parar de fumar. Mas não agora, pensava. Sentia-se perseguida, o celular tocava  novamente, recusou atender. Um carro de som ou chamando atenção, esgoelando   as promoções de uma loja de bebidas, por alguns segundos Paula  tentou decodificar alguns nomes importados, mas lembrou-se que o objetivo da pressa era outro . O celular  tocou novamente, quem ligava parecia ter  urgência em falar. Paula  espiou a tela estava  aliviada, atendeu com sorriso discreto e ou a balançar a cabeça  concordando  com o que ouvia. No dia dez  de abril de mil novecentos e sessenta e quatro, a junta militar que Governava o País desde a derrubada de Jango, divulgara  o Ato do Comando Revolucionário numero um com uma  lista de cem  nomes dos  prováveis comunistas, cujos direitos políticos foram suspensos, entre eles o Presidente João Goulart, o ex-presidente Jânio Quadros e o  secretário-geral do  Partido Comunista Brasileiro  Luís Carlos Prestes. Nesta época Paula completara  onze anos de idade com uma inesquecível festa dada  pelo seu pai,  o Jornalista e poeta  Aurélio Sampaio, então redator do “Diário da Luta’, Jornal  considerado subversivo  partir daquele  primeiro  de abril. Além dos pais e  dois irmãos, havia  uma pessoa de nome Eliésio entre eles, um  jornalista  de São Paulo que recebera abrigo dos pais, dizendo estar a  procura de  espaço na cidade para montar um projeto social. No dia da sua festa o homem também aniversariava , havia  uma semana que estudava  o maquinário gráfico  do pai que era escondido no porão, dizia que sua anotações traria uma nova visão para o Jornalismo no Brasil. Paula não  simpatiza por ele, deixava claro para o pai que desconversava, dizendo ser grilos de adolescência. Naquela mesma noite,  quatro homens bateram a porta e invadiram a casa  se identificando como DOPS. Aurélio  negara  que fazia o jornal e que era apenas um poeta, mas  Eliésio que na  verdade era  Antunes Masagão, mostrou a carteira de policial e mandou levá-lo, na frente dos filhos iniciou-se a sessão de tortura para que ele dissesse onde ficava as coisas que escrevia e quem seriam os comparssas da subversão.  Antunes voltara outras vezes para interrogatórios, mostrava fotos do pai ensanguentado, as vezes nú tomando choque. A mãe de Paula que viajava como representante de uma editora, soubera do acontecido, nos primeiros dias da sua volta fora recebida com a mesma avalanche de perguntas feitas por Antunes e outro fardado que ele tratava por  Pavão. Mas não respondiam onde estava o Pai de Paula nem quando voltaria, alguns panfletos chegaram  a imprensa falando sobre  o sumiço  do poeta e a tortura de  sua familia, Antunes resolvera endurecer, o primeiro ato fora violentar a mãe de Paula em frente aos filhos e deixar claro que partir daquele dia, morreria um deles para cada noticia que vazasse. Arminda Clara tinha  trinta e quatro anos era formada em letras português, mas há um ano havia mudado de  profissão ando a ser  representante de uma editora Carioca em todo o Brasil, responsável pela publicação de dois dos quatro livros do marido poeta e um do exilado Ferreira Gular.  Com o terror das agressões e vexame por ter sido violentada em frente aos filhos, perdera a vontade pelas coisas simples do dia-a-dia, a autoestima  e a força para lutar. Num daqueles dias quando Antunes chegava com seu parceiro  Pavão, Arminda trancara-se  dentro do quarto, ceifando a própria vida com um tiro na cabeça. O pai nunca mais fora visto, segundo o próprio Dops no mesmo dia da detenção, matara-se estourando  a cabeça na parede e um parente da Bahia levara o corpo. Versão contestada por um preso político que estava  na mesma data,  disse ter visto o Jornalista sair  do interrogatório  com  vida e ser levado para o Canil. Paula respirou fundo,  parou em frente ao  hotel Maestrina, retirou a credencial da bolsa e mostrou ao porteiro, após  minuciosa  conferência  recebeu  autorização de subida,  o Ascensorista abriu  a porta do elevador e apertou o botão  no décimo nono andar. Sentia-se novamente cansada, estava ofegante, mas fumaria um cigarro, talvez não sentisse mais vontade de parar naqueles dias, estava proxima de destruir seus maiores pesadelos arrancar o peso das costas e andar livre, voar para lugares que nem nas imaginações conseguira chegar.  Via a figura do pai  algemado com  o rosto mutilado, mas  mostrando firmeza e coragem, a mãe nua violentada, cenas eternizadas dentro dela e dos irmãos.  A porta estava aberta, com um  leve toque a voz forte e suave daquele  senhor de  terno  disse  que a esperava. Paula sorriu com a boca semi-aberta uma  descarga de adrenalina fluiu  pelo seu corpo seguiu-se uma arritmia, mas ela  controlou a  respiração, de olhos cerrados sentia  que era observada ele sorria o mesmo sorriso de 47 anos atrás, sua mãe gritava, pedia que não olhassem, Antunes esbravejava, a chamava de vagabunda comunista, o corpo do pai mergulhado naquele sangue, seus dentes quebradas. Os abraços apertados, o boa noite. A mãe lhe contando histórias dos Três Porquinhos a sua favorita. Queriam muito naqueles tempos ter a força do Lobo Mau, soprar tudo e fugir para bem longe. A mãe gritava pedindo clemência, pedia por Deus, aos santos, pedia que Paula não olhasse. — Retire seus irmãos daqui minha filha vão para o quarto! – Dizia a mãe nua com os olhos de pavor. — Cala a boca Comunista vagabunda! – Exclamava Antunes amordaçando Arminda. Paula retirou  a Pistola Taurus pt 938, comprara em uma  Cracolândia, próximo ao antigo DOPS,  Antunes Marsagão conhecido no prédio por Doutor Targino (Ouro Fino) negociante de pedras preciosas, havia se apaixonado  pela Advogada Criminalista Mihailde Fantinny em um  baile dos influentes do ano, há poucos dias. — Muito prazer, Antunes Marsagão, filha da puta desgraçado, em nome dos meus pais mortos por vocês e dos meus irmãos traumatizados! – Falou atirando quatro vezes na cabeça do velho. A porta fechou-se com a chave para o lado de fora, o acensorista esperava  com a porta do elevador aberta.

Por Adilson Cardoso

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