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Adilson Cardoso
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Coluna do Adilson Cardoso – Identidade Corrompida

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Coluna do Adilson Cardoso – Identidade Corrompida

Analéia levantou os olhos para o relógio e se apressou em concluir as evoluções de enfermagem. Com um rascunho de letras emaranhadas, ia conferindo e reando aos prontuários. “ Vinte e três horas, quarenta e cinco minutos!”  Chiou o pequeno rádio oculto no armário. Naquela noite estava sozinha na imensa ala de pacientes terminais. Vinte e dois quartos, mas apenas três pacientes a morte havia ado mais cedo. “Acerte o seu relógio, faltam apenas cinco minutos para a meia-noite!” Repetiu o rádio escondido em algum lugar do armário. Analéia saiu do posto de Enfermagem carregando uma bandeja de alumínio sobre ela seringas bolas de algodão umedecidas em álcool e uma cruz de madeira com um morcego crucificado. A luz fraca do corredor transmitia uma sensação fantasmagórica da sua própria sombra, o silêncio ampliava o eco dos saltos dos seus sapatos e ela se apressava, um trovão esbravejou de repente, parecia ter explodido dentro da sua cabeça. Não ouvira boletim da meteorologia indicando chuva, Analéia arrepiou-se, pousou a mão sobre o peito, sentiu o corpo pesado dificultando a mobilidade, era o cansaço, dobrar plantão naqueles dias estava se tornando rotina, mas precisava do esforço, tomava remédio para mialgias. Conferiu o nome do paciente, entrou uma corrente de ar gelado que ela não sabia de onde vinha a porta bateu. Lembrou-se dos casos do Pereira um guarda já falecido, — Este hospital fora construído sobre um cemitério! – Dissera incontáveis vezes. Pereira morreu durante um plantão, trancou-se na sala de ECG para um cochilo durante o horário de almoço e foi encontrado morto, o atestado de óbito foi assinado como Infarto Agudo do Miocárdio. Mas a morte continuava suspeita, para o Doutor Orlando que o havia consultado dias antes, aquilo foi suicídio se confirmado seria o décimo ao longo de quatro anos. Analéia buscava afastar aqueles pensamentos, outro trovão ribombava lá fora ecoando pelos corredores, a luz parecia perder a intensidade. Hironildo Adamastor 49 anos de idade, há vinte iniciara quadro de depressão e idéias de auto-extermínio, envolveu-se com drogas ilícitas e álcool, fora abandonado pela esposa. Dizia estar sendo perseguido pelo duende Atila um ser que habitava uma árvore da casa onde moravam. Durante as duas décadas foram quatro tentativas de morrer, a ultima foi saltar do décimo terceiro andar do prédio da receita Estadual. O resultado foram múltiplas fraturas e amputação do membro inferior esquerdo como conseqüência. Adamastor respirava sem vontade de viver, havia um traço de morte no seu semblante. Analéia desviou o olhar e voltou à atenção para um bloco que trazia no bolso do jaleco, era gravíssimo, se parar não tem mais o que fazer, havia copiado do prontuário descrito pelo plantonista.  Ao voltar-se para o rosto desfigurado do paciente, percebeu que não haveria mais necessidade da medicação, com os dedos indicador e médio sentiu a falta do pulso. Outro trovão soou lá fora e um grito no corredor vazio, o desespero de alguém que fugia de uma terrível perseguição, uma porta se abriu com força, um vento forte soprou ainda mais frio, no ouvido de Analéia seu coração batia feito asas de borboleta, o medo tornou-se real, seus sentidos presos ao cadáver suicida e seus pés como visgo naquele chão, não tinha coragem para confrontar-se com a criatura dona daquele grito. Uma vertigem nauseante, uma tentativa de pedir socorro abafado pela falta de voz, um cheiro descomunal de antibiótico se misturava a éter tomando conta do espaço. Um novo grito surgiu ainda mais alto, uma mulher que havia falecido pela manhã engatinhava caquética com a cabeça suturada pelo corredor, arrastava uma bala de oxigênio, seus gritos feito grunhidos eram intermitentes. O rosto umbroso do outro morto esboçava um leve sorriso, a mão direita envolvida em atadura se moveu na sua direção, com muito esforço Analeía libertou-se do que a prendia ao chão e simultaneamente recobrou a voz, gritou loucamente por socorro, mas no corredor deserto apenas uma barata saia de um dos quartos talvez a única testemunha do seu martírio. Ganhou um pouco mais de forças e gritando olhou para trás vendo a figura do paciente que a pouco dera como morto. Um novo trovão ainda mais intenso, desta vez com efeitos de terremoto, a maca que estava encostada na parede, moveu-se chocando com uma cadeira de rodas… Analéia batia na parede, dois homens e uma mulher tentavam contê-la novamente com tiras de pano, há pouco acordara do sedativo gritando que o morto ressuscitara. O médico descreveu: “Paciente em risco de auto-extermínio, apresenta variações de humor, fora de tempo e espaço, negativa de identidade há quinze dias se assume como Analéia”. Manter contenção mecânica. 

Por Adilson Cardoso

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