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Adilson Cardoso
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Coluna do Adilson Cardoso – Verdades e Lorotas da Época da Seca

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Coluna do Adilson Cardoso – Verdades e Lorotas da Época da Seca

Findava o mês de setembro, todas as promessas possíveis de serem cumpridas foram feitas para que a chuva caísse, as novenas em baixo do sol intenso com os pés descalços fartos de bolhas eram as ordens dos dias. Quilômetros de estradas a perder-se de vistas  abarrotados de esfomeados e suas orações de suplícios. No desespero alguém sugeriu que juntassem  as economias que não tinham e comprassem  um boi gordo para São José, mas que seria dado apenas quando chovesse. Alguns desidratados de olhos cadavéricos foram a favor, desde que São José fizesse primeiro a  parte dele, os mais devotos e tementes dos pecados não pactuaram com a idéia. Fome é bicho traiçoeiro, entre comer e pagar promessa a sobrevivência falaria mais alto e  perder a amizade de  Santo não seria boa coisa, qualquer canto que se olhasse o abismo do desespero entoava o canto da morte. Entre tantos sofredores Tonha era mais uma alma  pagando o purgatório naquela desgraça que ainda tinha o nome de vida, quatro filhos o mais novo tinha onze  anos na seqüência de um para um o mais velho tinha quatorze e seu nome era pequeno e sem expressão, igual ao seu  rosto de fome e o corpo de ossos salientes, Mundim, Talvez no registro de nascimento tivesse mais alguma coisa para acrescentar, outra parte do nome e sobrenomes, mas até isso lhe faltava, o pai nunca havia se preocupado com estas questões, para ele o homem tinha apenas que ter direito a comer e tomar seu gole d’água na hora da sede, documento em sua opinião era para gente da cidade, por isso Tonha contava nos dedos às vezes que se deitara com ele traindo Chico Paraíba, traiu, mas confessou ao Padre Solano e estava perdoada, só aquela vez da festa do Divino Padim Ciço  que precisou dar para  o motorista por ele se parecer com um ex-jogador de futebol do Cruzeiro Esporte Clube, isso ela  não dividia com ninguém levaria para o tumulo, Chico agora matava, ela não se esquecia daquela jura “Eu só não te mato, por que o chifre ainda é pequeno e cabe dentro do chapéu, mas se acontecer outra vez te cavo no cú do Tatu e te sangro a prexeca”. Na noite do dia primeiro de novembro, Chico estava deitado no meio do terreiro sobre um couro de Bode, a família se reunia ali para fugir do calor que abrasava a pequena casa e comer um  pedaço de rapadura com farinha. A mãe virava cuidadosamente a cabaça de água dentro das canecas dos filhos que placidamente agradeciam com suspiros de satisfação. De repente ela  percebeu que os cães se levantaram  avançando violentamente rumo as pedras do antigo açude, cinqüenta metros da casa, um ruído de tiro ecoou no breu e um grito medonho de um dos cães pode ser ouvido em toda redondeza. Atendendo a ordem do marido  rastejou  com os filhos por baixo da cerca e foram entre os galhos secos dos arbustos rumo a casa da comadre Santinha, correndo assustada e rezando que o pai de três dos seus filhos tivesse a proteção de Deus. Aquilo sempre acontecia, eram piratas da fome, da sequidão do oco do mundo que se uniam em hordas de maltrapilhos bêbados e saqueavam outros miseráveis, que por sorte adquiriam cuias de farinha, pedaços de rapadura, vísceras de Cabras e outras iguarias em sofridos dias de serviços em lugares distantes. Ali já ava de duas décadas que não se velava um defunto por veneno de cobras, a ultima que se atrevera sair do buraco e aproximar-se  de gente fora assada no borralho e servida como almoço, lagartixa só vivia porque se fantasiava de pedra. No precoce bafo quente do sol, as nuvens já estavam nuas de qualquer nublagem, quando a comadre Santinha abriu a porta para o Chico Paraíba que adentrou cheirando a urina com escorrida pelas pernas, com  marcas de violências no corpo e as roupas em frangalhos, destaque para um corte feito  risco com sangue seco do lado esquerdo do rosto, mas a mão trazia um saco com carne seca e farinha amarela.  Tonha que misturou o choro de aflição com alegria da volta do marido acordou as crianças e forrou a mesa para o melhor desjejum dos últimos tempos. A comadre Santinha e o compadre Nonato Tripa também acordaram os seus famintos herdeiros e comeram com fartura ouvindo as aventuras do Chico Paraíba, Tonha  não piscava de orgulho dele contando como se escondeu dentro da casa deixando o bico da espingarda no buraco da janela e  cada um que se aproximava caia sem respirar, os dois últimos foram abatidos a unha, segundo ele ao ver  que estava sem munição, deu a volta por trás da casa e apertou o pescoço de um o outro veio em socorro e  ele ou a perna  jogando  no chão.  Sobre os arranhões e cortes contou que não sabe o exato  momento que  se deu. – Acho que tinha mais de cinqüenta, matei cinco de tiros e dois na pancada! Falou tranquilamente mastigando um punhado de farinha. Nonato Tripa ao virar o copo de café ralo, perguntou despretensiosamente acendendo um cigarro com uma binga: – Vixi Maria compadre, então nós temos que espalhar a noticia, a hora que o povo ver os corpos no chão, vão saber que agora temos alguém para nos proteger desses marginais! O silêncio do herói durou mais de um minuto até que ele soprando o ardor de uma pimenta na farofa respondeu: – Compadre é o seguinte, deixa isso sossegado, à hora em que eu estava vindo, o Mossoró, o Candidato, o Muquirana, o Beiçote, o Cobradagua e o Socó me pararam e metade das coisas que eu tomei dos safados eles me levaram  dizendo que sabiam que fui o dono de todo o merecimento pelo heroísmo e a defesa das familias, mas eu estava diligentemente obrigado a dizer  que foram eles que fizeram o serviço. Mais um breve silencio, quebrado por um barulho de peido vindo da dona da casa que se levantou envergonhada para ir a cozinha. O  compadre Nonato Tripa se levantou acompanhando o movimento imediato da esposa e voltou ao herói: – O senhor tem razão compadre, tem coisas que fazemos que é  melhor que ninguém saiba!

Por Adilson Cardoso

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